SERÁ QUE DESAPREENDI? Onde se ensina esse (não) direito que está sendo aplicado?

Me formei em direito no ano de 1992, nos primórdios da nova Constituição e sob o entusiasmo dela. Em 1993 assumi a magistratura e como juiz, sempre soube que antes do trânsito em julgado de sentença condenatória não se fala em execução de pena, sobretudo se o condenado aguardou em liberdade toda instrução processual. Quanto ao trânsito em julgado, é situação que torna definitiva a decisão judicial, não comportando mais nenhuma intervenção do juízo e, porquanto, não se há como fatiar julgamento com trânsitos parciais.

Sabia também – porque isso se aprende no banco da faculdade – que quando o réu for condenado a uma pena privativa de liberdade no regime semi-aberto ou aberto, para marcar o início da execução, realizava-se uma audiência admonitória para apresentação ao sentenciado das condições impostas ao regime, na qual deverão estar presentes também o defensor e o presentante do Ministério Público. Mais, que nessas hipóteses não se expedia mandado de prisão, mas mandado de intimação do condenado para a referida audiência, bem como do seu defensor.

Aprendi, ainda, que para tais regimes se permite o trabalho do condenado fora do estabelecimento carcerário, porque o sistema penal não lhe oferece opções de trabalho dentro das próprias unidades prisionais, e que neste caso, a pena deve ser cumprida no local onde o condenado já tem atividade laboral definida, devendo recolher-se apenas à noite e fins de semana.

Percebi, muito, mas muito antes de qualquer Súmula do STF, que algema é instrumento de contenção de detidos e que só pode ser utilizados em situações extremas, quando efetivamente houver risco à segurança dos condutores e/ou tentativa de fuga do conduzido. Aliás, em 20 anos de magistratura, nunca realizei audiência em que o acusado ou condenado, estivesse algemado.

Amparado no texto constitucional que coloca a dignidade humana como eixo gravitacional de toda ordem jurídica, somado ao sentimento nato de preservação desse valor supremo, desde o início de minha atividade judicante percebi a necessidade e importância de se atentar para as condições pessoais do preso e acudi-lo, com providências oficiais, toda vez que era acometido com problemas de saúde, ou suas condições físicas não permitia que cumprisse a pena como imposta, criando-se-lhe, então, alternativas para o caso (por vezes fora de qualquer previsão legal, mas dentro da ótica principiológica indissociável dos direitos e garantias fundamentais).

Compreendi, desde cedo, que a execução – como o processo penal como um todo – é um sistema de garantias ao acusado/condenado, não podendo ser instrumento de cerceamento de direitos e negação de garantias fundamentais, muito menos palco para que o juiz pudesse vangloriar seu poder, ou escarnecer o condenado.

Aprendi tantas outras coisas e senti o sofrimento humano. Apreendi a ver o outro como ser dotado de direitos e dignidade, independentemente de ser um acusado ou condenado criminalmente, pois só assim estaria apto a julgar e não alguém pronto a execrar e exterminar outro ser humano.

… É, parece que não é mais assim! Será que fiquei estagnado no tempo e deixei de acompanhar a evolução do conhecimento e as realidades de agora? Ou será que a Constituição Federal foi modificada sem que se dessem notícias?

Sobre denivalfrancisco

Meu nome é Denival Francisco da Silva. Formado em direito pela PUC-GO e mestrado em direito pela UFPE. Juiz de direito e professor universitário. Poeta e cronista, às vezes. A angústia em conviver com tantas distorções sociais, indiferenças, injustiças, ofensas aos direitos fundamentais, desprezo ao semelhante, e tantas outras formas de indignidade, exige de todo aquele que se incomoda, um lugar de fala. E que bom será se esta fala puder ressoar e se abrir mundo afora. A internet propicia isso, e os blogs têm sido ferramentas extraordinárias para a verdadeira liberdade de expressão, onde cada um coloca em discussão seus temas prediletos. Não inovarei em nada. Com toda certeza outros o fazem melhor. E não ouso afirmar que minha fala, lançada neste espaço cibernético, vá percorrer fronteiras e atrair simpatizantes. Não tenho este poder e jamais esta pretensão. Quero mais a liberdade de expressão e a consciência bastante para enxergar, mesmo no obscurantismo, para não me aquietar diante de farsas. O título do blog – sedições – enseja de início a contraposição. Não significa, porém, que haja uma necessidade simples de divergir, de contrariar, de opor. Sedições, misturando suas letras, dá também decisões que aqui se propõe invertidas ao modo que se vê correntemente. O que pretendo é, não mais, desaguar as palavras que alvoroçam em mim, em burburinhos loucos para serem ouvidos, como quem vê, pensa, reflete e necessita replicar suas críticas e percepções. Espero que os visitantes compartilhem comigo críticas e discussões sobre política, sociedade, direitos humanos, justiça e um pouco de prosa e poemas. Sejam bem-vindos! Ver todos os artigos de denivalfrancisco

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